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A Inteligência moral das crianças

Como ajudar a criança a se tornar uma boa pessoa? O que fazer para que ela tenha valores sólidos, caráter bem formado, capacidade de refletir sobre o certo e o errado, decidindo pelo bem?
Estas questões são pensadas há muito tempo…


Kant, principal filósofo da era moderna, já falava de duas morais: heteronomia (quando o indivíduo age por dever, porque mandaram) e autonomia (quando o indivíduo reconhece, por si mesmo, a necessidade de agir de determinada forma).

 
Motivado por essas ideias, Piaget, biólogo e psicólogo suíço, um dos maiores pensadores do séc. XX e teórico do desenvolvimento cognitivo, preocupou-se com o processo de aquisição de uma consciência autônoma por parte da criança.


Suas pesquisas se deram por meio da análise de Jogos de Regras em uma população de pequenos jogadores, considerando o respeito às regras como um princípio de moralidade.
Piaget percebeu que nos primeiros anos de vida não há consciência de obrigação por parte da criança (anomia). Por volta de 1,5 a 2 anos, ela pode até cumprir algumas regras por hábito.
Ele notou que crianças pequenas são influenciadas pelo Realismo Moral, que é a tendência de considerar os deveres como exteriores a elas próprias, de seguir as normas sem compreender seu espírito e de julgar a gravidade de uma falta pelo seu resultado (sem considerar a intenção). Por exemplo, quebrar 3 objetos sem querer é pior do que quebrar 1 intencionalmente.


Ele distinguiu então, a “prática da regra” da “consciência da regra” e disse que o ponto de partida para o sentimento de obrigação é o respeito (considerado o sentimento fundamental da vida moral por autores de diferentes linhas teóricas).


A primeira forma de respeito é “unilateral” (por obediência, imitação). Nesta fase (por volta dos 5 anos), a criança leva à risca as normas, opiniões e valores dos mais velhos, embora muitas vezes não consiga seguir. Mas, a partir desse “respeito unilateral”, outras formas de respeito se constroem.
O “respeito mútuo”, que nasce da relação social de cooperação, obriga cada um a se colocar no lugar do outro. Então, a atitude da criança em torno dos 8 anos fica diferente: ela é capaz de entender os porquês da regra, de compreender que uma regra nem sempre é justa e até admitir modificá-la (desde que obedeça ao princípio da não-contradição).

 
Está dado aí, o primeiro passo para a conquista da consciência moral autônoma.
Logo, se existe capacidade de compreensão, a forma de lidar também deve mudar, chamando cada vez mais para a responsabilidade pessoal.


Pensando nesses aspectos, podemos concluir que para responder às questões iniciais de como ajudar a criança no percurso rumo à autonomia moral, devemos fomentar o espírito cooperativo, o diálogo e tratamento respeitosos e o estabelecimento de propósitos elevados.
Na escola, a leitura de histórias, poemas e biografias exemplares ajudam muito, assim como a realização de composições e encenações com temas das virtudes, pois as crianças gostam de ter em quem se espelhar.

 
Assim, uma comunidade escolar respeitosa vai fortalecendo, ano a ano, os princípios recém-adquiridos pelas crianças.

 
Já em família, uma excelente oportunidade de estimular a inteligência moral está no compartilhamento de responsabilidades: fazer para o outro e com o outro.
A literatura, a sociologia, a antropologia, a psicologia, vão ajudar pais e professores dando subsídios para falarem das coisas, com paciência, num trabalho cotidiano, em favor de uma direção.
Educar significa corrigir o curso da jornada, com seus altos e baixos, rumo ao destino do bem!
Por Giselle Gallego Ramos – psicóloga

Referências:
Coles, Robert. Inteligência Moral das Crianças: ajude seu filho a ser generoso e bem-estruturado. Editora Campus, 1998.
Freitas, L.B. de L. Piaget e a consciência moral: um kantismo evolutivo? Psicologia: reflexão e crítica, 15 (2), 2002.
Piaget, J. O Juizo Moral na Criança. Summus Editorial,1994.